Friday 24 August 2007

Diários de bicicleta

É em um dia como hoje que eu me sinto privilegiada na minha profissão: ser paga para conhecer pessoas maravilhosas e especiais e ter a chance de contar sua história por meio do meu texto.
Hoje entrevistei o Álvaro Neil, um espanhol que deixou o país dele há 2 anos e 9 meses em cima de uma bicicleta, passou por 30 países da África e depois de quase 38 mil quilômetros pedalados, chegou ao Cairo. Ele é uma prova de que as pessoas não precisam de bens materiais para serem felizes e é isso que ele prega por onde passa. Tudo o que ele tem é uma bicicleta e 80 quilos de equipamento para sobreviver nos lugares ermos e sem estrutura por onde passa. A casa dele, como ele diz, fica abaixo do céu de estrelas que ele vê todas as noites. Muitas vezes Álvaro é convidado por pessoas humildes para dormir em um quarto de suas casas, ou então dorme em redes em casas abandonadas, delegacias, quartel de bombeiros... Para agradecer a gentileza das pessoas que ele vai encontrando pelo caminho, ele realiza malabarismos e truques de mágica, além de fazer apresentações de circo em creches, hospitais, presídios e qualquer outro lugar que a população encontrar para organizar e assistir a seu espetáculo. Ele se chama de biciclown e pretende rodar o mundo inteiro em cima de sua "magrela" conhecendo pessoas especiais como ele, acordando todo dia vendo o sol nascendo no horizonte, vivendo o dia-a-dia com simplicidade, aproveitando o dom que ele recebeu de interagir com todo tipo de pessoa.
Ele se apaixonou pela África e, antes de seguir a jornada (próximo destino: Oriente Médio), vai permanecer no Cairo escrevendo um livro sobre tudo que viu, viveu e sentiu. O biciclown disse que nunca viu um povo tão hospitaleiro e que consegue sorrir e ser feliz com tão pouco como o povo africano (ele fez uma viagem parecida com esta pela América Latina, incluindo o Brasil) e a intenção é mostrar isso para o maior número de pessoas possível.
Depois da entrevista, o Álvaro avistou um grupo de egípcios almoçando em um banco da praça onde estávamos. Ele não teve dúvida: sentou, enfiou a mão em uma tameya (falafel) e comeu. Os egípcios adoraram e começaram uma longa conversa, recheada de boas risadas. Invejo a coragem que ele tem em "invadir" a conversa de pessoas que ele nunca viu e conquistá-las em poucos segundos.
Me senti hoje um pouco como me senti depois de ter visto o filme "Diários de Motocicleta", sobre a juventude do Che Guevara. Saí do filme me sentindo pequenininha e inútil e invejando almas generosas como a do Che. Pois a alma do Álvaro também é generosíssima - apesar de ele dizer que viaja o mundo por aventura.
De quebra, o biciclown ainda tem um site, onde escreve um diário sobre os momentos mais marcantes de sua viagem. Dêem uma olhada, prometo que vocês não vão se arrepender! www.biciclown.com

Aqui vai um aperitivo, que ele escreveu em Manaus:



Nunca habia visto un pato en bicicleta. Me pregunto cual será el tipo de animal que maneja los coches que decididamente están dispuestos a matarme en la ruta.
Llegué a Manaus sin comer y con 130 kms en las piernas. Paré en la policía y Jarilson, me convidó a su almuerzo. Un mendigo pasó cerca y tambien le dió de comer. Me permitió usar su celular para llamar a una persona de contacto en Manaus (Tere), y me hizo cafe.
Solo le podía regalar mi magia del pañuelo. Nunca habia visto magia de cerca, a tan solo medio metro. Y alucinó.
Habia pasado una hora desde que le conocí y ya me despedía de él. Me deseo feliz navidad ("feliz natal") y sentí que mi corazón se quebraba. Le di la mano y le deseé buen año, y al irme y mirar para atrás le vi llorar.
Son esos segundos mágicos donde la vida se detiene y el aire está cargado de sentimiento fraternal. Solo quién ha VIVIDO sabe de lo que hablo.
Jarilson, gracias.


E como não tem um dia em que não penso no meu irmão, aqui vai mais um post do biciclown, que me emocionou muito. Aliás, hoje quando eu perguntei ao Álvaro se ele não tinha medo de algo acontecer com ele (ele já pegou malária quatro vezes e uma vez foi atacado por uma cobra no deserto), ele me disse que nós temos uma data de validade impressa no topo de nossa cabeça e que ninguém vai mudar isso. Portanto, viva, viva sempre!!!
Este post, que ele escreveu na Amazônia, vai em homenagem ao meu irmão:



ATARDECE O AMANECE?
Viendo esta foto es difil saberlo. Desde la cubierta del barco echan todos los días esta película que pocos queremos perdernos. El sol pinta en su retirada de colores todas las nubes, y se divierte ofreciendo más cuando ya ha desaparecido.
Ocurre también con los seres queridos, cuando ya no están es cuando más nos acordamos de ellos.


Assistam à matéria que fiz para a BBC Brasil.

E aqui vai o texto do site www.bbcbrasil.com.

Tuesday 21 August 2007

Você já viu a bunda de uma Esfinge?


Alexandria, Egito.

A idade da internet discada parte 4 – Funciona e é Rápida!

Algumas coisas continuam na mesma:
- O telefone “skype” que o governo egípcio não me autorizou receber aqui e que foi enviado de volta para meu pai na França ainda não chegou. E foi no mês de maio....alguma chance de ver ele de novo? Acho que não.
- A internet, paga e cara, ja foi cortada uma dezena de vezes por falta de pagamentos, que foram efetuados. Isso é impressionante, daqui a pouco os atendentes da empresa vão aprender português de tanto que ligamos lá toda vêz que a linha é suspensa .

Mas, outras coisas mudam:
Depois de tambem intermináveis falhas e quedas de sinal os técnicos da empresa provedora me mandaram trocar o cabo telefônico entre a rua (veja bem a foto da “caixa telefônica na rua” no Idade da Internet discada parte 2 - O Mão leve) e o barco. Eu teria que comprar o cabo da marca “Sewedy”, claro que me levou 2 dias para achart o dito cujo por aqui. Mas tenho que reconhecer, depois que troquei o cabo, a internet está 100% melhor. Se aí onde você mora tem o “Sewedy”, eu recomendo!! Hamdulillah!!!

Thursday 16 August 2007

A voz amiga



No primeiro dia em que voltamos ao Cairo eu percebi algo estranho. Levou alguns dias, mas eu finalmente identifiquei o problema: a mesquita que fica em frente à nossa casa-barco estava silenciosa. Depois de meio ano ouvindo o chamador de oração - muazenin como é chamado aqui - cinco vezes por dia (incluindo uma por volta das 4h da madrugada), senti falta do "nosso" muazenin. Não que o cara seja muito afinado - a chamada dele parece mais um lamento - mas ele virou nosso velho conhecido sem nunca termos o visto.
Eis que esta semana a tão conhecida chamada de oração voltou à ativa! Bom, ele apareceu uma vez num dia, resolveu chamar a oração da madruga em outro, e aí sumiu de novo. Será que ele está doente e vai aparecer apenas esporadicamente para os moradores da região não se sentirem desolados? Será que na época das férias de verão os muazenin fazem um revezamento para todos poderem aproveitar um pouco a noite egípcia (aguardem notícias do verão em outro post)?
O Cairo tem por volta de 4 mil mesquitas e todas elas contam com o seu muazenin. Na hora da reza a cidade vira uma zona, pois apesar de o horário das orações ser meticulosamente calculado pelos religiosos, os muazenins não são lá muito pontuais (uma característica bastante egípcia) e cada um começa com uma diferença de alguns segundos para o outro. O resultado é que em qualquer lugar do Cairo você é bombardeado por dezenas de vozes, que se misturam e acabam só ajudando a atordoar ainda mais o pobre cidadão, que já tem de sobreviver ao barulho incessante de carros, buzinas e egípcios falando alto nas ruas.
A prefeitura da cidade teve, então, uma idéia "brilhante": unificar a chamada da oração. Apenas um muazenin teria a honrosa tarefa e sua voz seria transmitida ao mesmo tempo para todos os alto-falantes das mesquitas. Pois é, a idéia foi lançada há mais de nove meses e ainda não deu à luz. Os muazenin reclamam que perderiam o emprego. Os moradores argumentam que a chamada de oração ficaria muito impessoal, já que todos se acostumaram com o muazenin do lado da casa deles. Eu concordo. Pode ser uma zona, mas o que aqui no Cairo não é? Não quero que o meu muazenin perca o emprego. Ouvi-lo apenas esporadicamente já foi uma mudança traumática!

Wednesday 8 August 2007

Sempre no meu coração



Para quem ainda não sabe, andei sumida porque uma das pessoas que eu mais amo "passed away" (usei este termo, porque é o que mais se aproxima do que eu acho que aconteceu: passou adiante): o meu irmão querido, aos 33 anos. O Julien e eu fomos para São Paulo ficar com os meus pais durante o mês inteiro de julho e por isso, obviamente, nos ausentamos do blog.
Voltamos ao Cairo há cinco dias e estamos tentando voltar à rotina, assim como os meus pais em São Paulo. Mas não é fácil, embora eu saiba que é possível e uma hora vai dar certo.
Tento acalmar a tristeza olhando para o céu - meu irmão dizia que ao amanhecer e ao entardecer é quando as cores do céu ficam mais bonitas - e pensando que ele está lá, vendo as cores do céu de uma perspectiva privilegiada. Eu também tento falar para eu parar de ser egoísta e querer ele de volta, porque, se ele foi para outro lugar, ele está ainda mais feliz lá do que estava aqui, então eu não tenho o direito de querê-lo de volta aqui. Um amigo do meu irmão disse que quando o pai dele morreu meu irmão disse para ele: "Pôxa, seu pai foi promovido!". Pois é, desta vez foi o meu irmão que foi promovido. E me conforta saber que ele pensava assim e está encarando a nova fase de sua existência com tranqüilidade. Um amigo meu, o Magalee, que perdeu o pai numa tragédia, também me deu um sábio conselho: aceitar logo o que aconteceu para que a dor se transforme em saudade boa. Ele disse que isso vai acontecer. E eu acredito nele.
Se nós, que continuamos aqui, ainda não fomos "promovidos", é porque ainda temos uma missão para cumprir aqui e temos de cumpri-la da melhor forma possível - e para isso temos de estar fortes, felizes e otimistas! E confesso que esta tarefa fica muito mais fácil com os pais maravilhosos que eu tenho e com os amigos queridos que durante este mês de julho mais uma vez me provaram por quê eu penso tanto neles. Má e Paps, força porque a vida continua e o Kizz não quer ver a gente triste! Aliás, ele quer mais do que isso: quer nos ver felizes!
Kizz (era assim que eu chamava meu irmão), fica em paz, seja feliz e fica sempre perto da gente. Daqui do meu coração você não sai nunca. E um dia nós vamos nos encontrar de novo e aí você faz aquela tapioca que você prometeu me fazer! Saudades, saudades, saudades. Te amo, meu irmão.



As fotos deste post são duas das inúmeras fotos tiradas pelo meu irmão, um cara que dedicava grande parte de seu tempo admirando e examinando cada detalhe da linda natureza deste mundo.