Monday 24 November 2008

Pedaços insubstituíveis

"Haverá paradeiro para o nosso desejo
Dentro ou fora de um vício
Uns preferem dinheiro
Outros querem um passeio perto do precipício

Haverá paraíso
Sem perder o juízo e sem morrer
Haverá pára-raio
Para o nosso desmaio
Num momento preciso

Uns vão de pára-quedas
Outros juntam moedas antes do prejuízo
Num momento propício
Haverá paradeiro para isso?

Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de nós?
Haverá paraíso"

(Arnaldo Antunes)




Kizz,

Este é o segundo aniversário seu sem você aqui com a gente. Sei que talvez apenas te mandaria um e-mail ou uma lembrancinha com um cartão, mas, se eu pudesse voltar no tempo, faria de tudo para estar ao seu lado em todos os seus aniversários. Se eu soubesse que eles não teriam mais a sua presença tão cedo...
Comecei a fazer contas inúteis e percebi que há poucos dias fiquei mais velha do que você. Virei sua irmã mais velha. Viagens da minha cabeça, que às vezes fica louca de saudades.
Doido é descobrir que existem pessoas que ainda acham que você está vivo neste mundo. Neste fim-de-semana mesmo tive de contar para uma amiga de colégio, a Simi, que você mudou de mundo. Um ano e meio depois de você ter ido embora, parece que contar o que aconteceu ficou menos dolorido. O que ainda dói é falar dos sentimentos de quem ficou aqui, te ama muito e nunca vai te esquecer.
Para mim você também ainda está vivo. Eu acho que você está tendo uma visão privilegiada da sua sobrinha daí onde você está - deve conseguir ver a carinha dela enquanto eu estou aqui morrendo de curiosidade!
Pena que ela não vai te conhecer pessoalmente. Mas ela vai saber que o tio dela era um cara gente boa, com uma alma generosa e um coração imenso, que gostava tanto de um passeio perto do precipício que um dia não voltou de lá. Espero que tenha ido para o paraíso.
E assim é o ciclo da vida. Uns vão e arrancam um pedaço de nós e outros vêm e acrescentam um pedaço a nós. Os pedaços são diferentes e insubstituíveis, mas não podemos ter todos e temos de nos contentar com os que temos, né?!
Te amo, meu irmão.
Feliz aniversário esteja você onde estiver.
Fica em paz.

Wednesday 19 November 2008

Os ingleses e seus esportes 2008

Como as coisas mudam.
Ano passado no dia 22 de Novembro escrevi "Os ingleses e seus esportes", e a situação era lamentável: Hamilton perdia a F1, o Rugby na final do mundial e o futebol tomava uma porrada em pleno Wembley que o deixaria fora da Eurocopa 2008. Se você não leu, acho que só o Rodrigo leu, tá aqui.



Uns dias depois escrevi mais um outro sobre Ricky Hatton, um boxeador que era "a esperança" inglesa de algum sucesso em 2007 mas que foi com a cara na lona em Las Vegas. Na ocasião até comparei o sofrimento inglês com o que os Corinthianos, como eu, passaram ano passado com a queda pra segundona..ahh, doeu.


Mas veja só, parece que em 2008 Saint George resolveu olhar para seus abençoados, os ingleses e o Corinthians.

Nas Olimpíadas foi a melhor performance inglesa dos jogos modernos, medalhas e mais medalhas, terminando a quarta colocada no quadro geral, um sucesso com carreata nas cidades e dezenas de "heróis olimpícos"

Na F1, valeu Massa, mas na hora Glock não deu e quem levou foi o prodígio Hamilton.
No boxe, Joe Calzaghe na madrugada do 09 para 10 de novembro foi a lona, mas se levantou e venceu Roy Jones Jr. por pontos também em Las Vegas. E o caro Hatton volta aos ringues na cidade dos cassinos nessa sexta-feira(21) contra Paulie Malignaggi.
No Rugby, bom, nem tudo é perfeito....continuam tomando porrada. Ah, e no Criquet também, alias, algumas humilhantes, para alegria de Indianos, Paquistaneses e Australianos entre outros que adoram bater a "Coroa Inglesa".

Já no futebol....uma pequena revolução Italiana comandada pelo homem que José Mourunho apelidou graciosamente de Cabbage Man ou Homem Repolho Capello.

A seleção inglesa estava no chão, humilhada e desmembrada. Mas a chegada do general Capello mudou as coisas, decisões duras, convocações e não convocações surpresa, colocou as "Wags", as marias-chuteira, pra fora das viagens e concentrações do time e eis que agora a mesma seleção segue a frente no grupo de classificação para Africa do Sul em 2010 e hoje venceu a Alemanha em Berlim por 2x1 com um time cheio de reservas e novatos.


Vou aproveitar pra falar que ontem lá na fria e chuvosa Escócia Maradona fez sua estreia como técnico da seleção Argentina, foi só um 1x0 magro pros hermanos, mas o que valeu foi ver o homem lá, e os escoceses comemorando e agradecendo aquilo que a mão-de-Deus fez em 1986 contra os vizinhos ingleses, esses últimos que não se conformam.
Impressionante, 22 anos depois e os caras choram por Maradona e até por Evita, tanto que o assistente da seleção escocesa, um ex-zagueiro inglês que estava na partida "hand-of-God" falou com todas as palavras que não perdoa e se recusa a um dia apertar a mão de Maradaona. A resposta do hermano? Uma piscada para as cameras e "Cada um com seus problemas".




Bom, tudo isso foi pra dizer uma coisa muito mais importante:

É que a pequena Mila, a inglesinha Corinthiana, vem aííí!!!! E na primeira divisão!!!!

Wednesday 5 November 2008

Presidente eleito, descanso merecido!



Ufa. Após trabalhar horas a fio, arrastar meu equipamento de vídeo de um lado para o outro todo dia, entrevistar inúmeros brasileiros, americanos e pessoas de outras partes do mundo, e acompanhar uma data histórica na casa do perdedor da disputa, a cobertura das eleições americanas acabou.

E agora me sinto com um vazio, um buraco enorme aqui no estômago. Aqueles que eu costumava sentir quando voltava para a casa depois de excursões do colégio, gerada pelo choque de voltar à "solidão" e ao silêncio após alguns dias rodeada por amigos e dias cheios de atividades.

Por outro lado, estou feliz de que acabou, porque é sinal de que volto para Londres para matar as saudades imensas do Julien (falar cinco vezes por dia pelo skype não é a mesma coisa...)!

Estou muito feliz com meu trabalho, com as pessoas maravilhosas que conheci durante a cobertura, com destaque para minhas duas cicerones, a Silvia Brasil, em Miami, e a Paula Menna Barreto Hall, em Phoenix, além do meu companheiro de trabalho no dia das eleições, um jornalista que descobri que além de brilhante é altamente gente boa - o Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo. Amei também todos os cinegrafistas e assistentes (brasileiros, franceses, latinos e britânicos) que se ofereceram para ajudar a pobre repórter-câmera me colocando debaixo de um poderoso refletor de luz (ao invés da minha modesta luzinha no topo da câmera) e fazendo os ajustes da câmera com profissionalismo.

E adorei saber que, mais uma vez, o povo americano me surpreendeu com sua diversidade e gentileza. A impressão é de que as pessoas aqui são muito mais abertas e solícitas do que os britânicos.

Também descobri uma emissora que não tinha visto na minha última passagem por aqui: a MSNBC. Muito boa, com alguns programas de discussão política ótimos. E o mais engraçado aqui é que a maioria das emissoras não esconde sua posição política. A MSNBC é claramente pró-Obama.



A secretária do comitê do Obama...



...e os voluntários usando os próprios telefones celulares para ligar para os eleitores.



A secretária do comitê do McCain...



...e os voluntários telefonando para os eleitores.








Por outro lado, saio daqui com outras impressões de como os americanos são, sim, um povo deveras estranho. Alguns exemplos:

- As figuras presentes na "festa da vitória" de John McCain, no chiquetérrimo hotel Arizona Biltmore (onde McCain casou com a atual mulher, Cindy, e onde Ronald Reagan e Nancy passaram sua lua-de-mel). Me senti num filme de... velho oeste? ...soft porn? ...de... mau gosto!!! A supremacia branca era evidente e se havia mais de meia dúzia de negros entre as 2 mil pessoas era muito. As mulheres, muitas de vestidos longos, nitidamente passaram o dia no cabeleireiro e exibiam litros de laquê nas cabeleiras armadas. Os trajes eram extremamente bregas e conservadores. Todos bebiam litros de vinho e devoravam hambúrgeres e hot dogs.

- Phoenix. O que é essa cidade??? Não se vê gente andando nas ruas, tudo é extremamente plano e espalhado e aqui sem carro você mal consegue ir ao supermercado. Não existe centro da cidade, não existe movimento, não existe vida. Talvez por isso agora eu esteja sentindo um buraco no estômago... Ponto positivo: o céu no amanhecer e no entardecer é MA-RA-VI-LHO-SO. A paisagem é linda, não há dúvida.

- Miami Beach. Outro show de horror de gente brega, o típico cenário de Baywatch. Pessoas extremamente preocupadas com a aparência, o que não ajuda em nada, porque a maioria tem um gosto pra lá de duvidoso. O ponto positivo: o bafo e o calor são uma delícia, o tempo está sempre lindo e você se sente no Brasil...

- As inúmeras propagandas de remédios. Remédio contra depressão, contra vontade de ir ao banheiro freqüentemente, contra impotência, contra problemas de sono, contra todos seus problemas! O mais chocante, no entanto, é que os anunciantes são obrigados a elencar todos os efeitos colaterais dos remédios, então mais da metade da propaganda é uma anti-propaganda, em que você descobre que aquele remédio pode causar parada cardíaca, depressão, mal-funcionamento dos rins, erupções na pele e outras tragédias mais. Será mesmo que essas propagandas vendem os produtos que anunciam???

- O tamanho das embalagens de comida. Não importa se é saudável ou não, o tamanho das refeições aqui é astronômico. Outro dia fui no Whole Foods, uma das minhas redes de comida preferidas, montar uma salada. A menor embalagem era tão grande que a salada rendeu para o almoço e para o jantar! Tudo é grande, até os copos com chá. Depois de os americanos aprenderam que supersized junk food faz mal à saúde, eles deveriam aprender que supersized organic and natural food também engorda e é um exagero!

- A falta de consciência ecológica. Dá para entender por quê não existe uma revolução aqui toda vez que George W. Bush se recusa a assinar o Protocolo de Kyoto. Sei que tenho o privilégio de morar no continente com a maior consciência ecológica do planeta e talvez por isso me impressiono tanto com a utilização desenfreada e irresponsável de sacolas plásticas e com a surpresa das pessoas quando saco minha bolsa de compras de pano para carregar minhas compras. E com o fato de as pessoas usarem o carro para ir até a farmácia na próxima esquina e a preocupação de estacionar sempre a cinco metros do destino final, "para não parar muito longe"...

Falando em consciência ecológica, viva o povo americano, que finalmente escolheu um presidente preocupado com o futuro do meio-ambiente!

Bom, amanhã deixo Phoenix e retorno para Miami. Ainda não sei se a cobertura realmente acabou ou se trabalho até sexta-feira. De qualquer forma, prometo a todas as pessoas preocupadas com o Chuaia que vou cuidar direitinho dele daqui para a frente e garanto que nunca cuidei tão bem de mim durante uma cobertura - apesar de pequenos lapsos - como me cuidei desta vez. E, yes, a pança deu uma pequena avançada nestes últimos três dias! Ufa! Acho que o Chuaia ouviu minhas preces e quis me dar um sinal de que está bem, apesar da correria! Será que ele gostou? :-)