Sunday 19 April 2009

Falhas do sistema

Como prometido, vamos ao segundo capítulo da nossa saga com a Mila no sistema de saúde público britânico... Para começar, um dia após a operação, peguei uma infecção - o que pelo menos me rendeu um quarto na segunda noite, onde o Julien também podia dormir com a gente.

No sistema público daqui a praxe é as mães ficarem todas em uma área comum, com camas separadas por cortinas, onde os acompanhantes não podem passar a noite. O legal do esquema daqui é que o bebê fica com a mãe 24 horas por dia e não é separado dela em nenhum momento desde o nascimento. O duro é que é a mãe de primeira viagem (no meu caso, pelo menos) que desde a primeira noite tem de trocar as fraldas do nenê e fazê-lo parar de chorar de alguma forma (no meu caso, a Mila só parou de chorar quando dormiu na cama comigo...). Durante a noite inteira você conta com a ajuda das midwifes, que te dão dicas para amamentar e colocar o bebê para dormir (no meu caso, nenhuma delas funcionou, já que a Mila teve de ser alimentada com meu leite com uma seringa porque tinha "preguiça" de mamar e não parava no berço de jeito nenhum).

Bom, mas na segunda noite o Julien estava dividindo as tarefas comigo (com exceção da alimentação, é claro), já que fomos colocadas em um quarto separado para não infectar as outras mães e seus bebês. O lado ruim é que, além do estado deplorável pós-operatório, ainda tive de tomar soro na veia para repôr tudo que saía por baixo...

Bom, detalhes escatológicos à parte, na terça-feira, dia 24.03, finalmente fomos liberadas para ir para a casa! Após um início um tanto quanto conturbado, estávamos felizes de finalmente chegar no nosso lar e começar a nossa nova vida com a Mila!

Eis que na quinta-feira ela fica extremamente letárgica, sem energia sequer para mamar, ao ponto de à tarde não abrir mais os olhos quando tentamos acordá-la. E lá fomos nós de volta para o hospital. Diagnosticaram desidratação e iniciaram uma série de exames (com uma agulhada horrenda na coluna da Mila e várias picadinhas no pé dela) para ver se ela estava com infecção. Enquanto isso, já enfiaram uma cânula na mini-veia da mão direita da Mila para encher o corpinho da coitada com antibióticos...

Comecei uma operação de guerra para conseguir amamentá-la apenas com o meu leite e assim evitar que ela ainda por cima precisasse ser entubada para ser alimentada - e pelo menos isso deu certo! Extraía o leite com uma bomba e uma midwife enfiava o líquido goela abaixo da Mila com um copinho. E tivemos de encarar mais uma noite sozinhas na área comum...

Eis que no dia seguinte o Julien foi conferir alguns resultados de exames da Mila (ela estava com um grau de infecção , um tal de CRP, de 9,7, quando o normal é 1) e por acaso viu os meus dados quando fui liberada do hospital. Eu estava com um grau de infecção de 80 quando o normal é 5!!! E nos liberaram!!! Sem sequer checar se talvez-por ventura-quem sabe, a Mila também tivesse algo!

Bom, pelo menos fomos isoladas em um quarto mais uma vez e passamos longos e agonizantes cinco dias no hospital, já que a Mila tinha de tomar antibiótico pelo menos durante este período.

Durante estes cinco dias nos deparamos com várias falhas do sistema. A limpeza do quarto era extremamente superficial e no entra-e-sai de midwifes e médicos durante o dia todo cada um falava uma coisa diferente. Além disso, como se não bastassem as inúmeras picadinhas que a Mila levava nos pés para tirar sangue, picaram a coitada até desnecessariamente, pois o laboratório perdeu o sangue dela. Cerca de duas horas depois de repetirem a picada para retirar uma nova amostra de sangue, um midwife resolve tirar outra amostra falando que "a outra não deu certo". Explicamos para ele que a segunda amostra já tinha sido retirada e ele não deu a mínima importância, dizendo que "de qualquer jeito precisamos tirar mais". Cerca de uma hora depois do evento, o cara abre a porta do nosso quarto dizendo que acabou de cair no sistema dele que realmente a segunda amostra já tinha sido retirada e que por isso ele não iria enviar a que ele retirou ao laboratório. Preciso dizer que a vontade era de esmurrar o infeliz???

Bom, cinco dias depois de antibióticos, pessoas incompetentes e paredes brancas de hospital (vale ressaltar que pelo menos a comida era bem decente), voltamos a ver a luz do dia e fomos para a casa! Ufa!!!

Estamos na segunda tentativa de começar a nossa vida nova com a Mila em casa. E não tem sido fácil. Ela está sofrendo de gases porque é tão educada que na maioria das vezes não consegue arrotar depois de comer e ainda por cima pegou um resfriado e está com o nariz e a garganta cheios de catarro, coitadinha. Probleminhas que acontecem. Mas que resolveram se acumular todos no primeiro mês de vida da Mila...

Apesar deste começo complicado, das poucas horas de sono e dos momentos extremos em que cheguei a chorar e me perguntar se um futuro mais calmo está próximo, ter a Mila perto da gente é o melhor presente que já ganhamos!

E descobri o que é amor de mãe. Olho para minha mãe e, apesar de sempre ter sabido que ela me ama muito, agora sinto o que ela sente por mim. É um amor muito, muito, muito grande e generoso, que não pede nada em troca e que faz a pessoa sofrer muito quando vê o objeto de seu amor sofrendo nem que seja um pinguinho de nada. Obrigada, mãe, por ter cuidado e ainda cuidar tão bem de mim. Eu espero conseguir fazer o mesmo pela Mila.



Aí a Mila com uma meinha da mão para proteger a cânula por onde ela recebeu os antibióticos e com os pés todos furadinhos... Prometo que daqui para a frente só vai ter foto dela em situações melhores!

1 comment:

  1. Oi Andrea,

    Nao sei se rio ou se choro depois de ler este post. Moro em Londres e estou gravida de 5 meses. Depois de pesquisar varios temas diferentes na internet e ler foruns horrendos que ja vao muito alem da discussao parto normal/cesarea, mas sim dos problemas provenientes da costura mal feita do perineo no NHS a incontinencia urinaria proveniente de horas do esforco, encontrei seu post no London Talk e fiquei me perguntando o que finalmente teria acontecido no seu parto.

    Alguem mencionou o nome do seu blog e agora que ja li os posts sobre o seu parto, tenho que dizer que apesar de sentir muito pela tua experiencia, de certa forma nao me surpreenderam. E eu cada dia que passa fico mais na duvida se tenho meu filho aqui ou em Sao Paulo.

    Nao sei que hospital voce caiu, nem sei se isso faz diferenca.

    Eu estou fazendo meu pre natal no Chelsea & Westminster, e embora o bairro seja otimo, acho que sistema publico e'mesmo tudo igual e nao vai fazer muita diferenca...

    Enfim, depois de passar tanto tempo condenando os medicos brasileiros que por qualquer motivo optam pela cesarea, agora me pergunto quem esta'certo, no fim das contas. Curiosamente, a experiencia das minhas amigas de Sao Paulo, foi e tem sido, sem excecao, muitissimo menos traumatica do que os depoimentos que tenho lido em foruns como os da mumsnet.

    Nao sei o que fazer.

    Mas acima de tudo fico muito feliz pela tua filhota linda.

    Bj gde

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