Thursday 16 August 2007

A voz amiga



No primeiro dia em que voltamos ao Cairo eu percebi algo estranho. Levou alguns dias, mas eu finalmente identifiquei o problema: a mesquita que fica em frente à nossa casa-barco estava silenciosa. Depois de meio ano ouvindo o chamador de oração - muazenin como é chamado aqui - cinco vezes por dia (incluindo uma por volta das 4h da madrugada), senti falta do "nosso" muazenin. Não que o cara seja muito afinado - a chamada dele parece mais um lamento - mas ele virou nosso velho conhecido sem nunca termos o visto.
Eis que esta semana a tão conhecida chamada de oração voltou à ativa! Bom, ele apareceu uma vez num dia, resolveu chamar a oração da madruga em outro, e aí sumiu de novo. Será que ele está doente e vai aparecer apenas esporadicamente para os moradores da região não se sentirem desolados? Será que na época das férias de verão os muazenin fazem um revezamento para todos poderem aproveitar um pouco a noite egípcia (aguardem notícias do verão em outro post)?
O Cairo tem por volta de 4 mil mesquitas e todas elas contam com o seu muazenin. Na hora da reza a cidade vira uma zona, pois apesar de o horário das orações ser meticulosamente calculado pelos religiosos, os muazenins não são lá muito pontuais (uma característica bastante egípcia) e cada um começa com uma diferença de alguns segundos para o outro. O resultado é que em qualquer lugar do Cairo você é bombardeado por dezenas de vozes, que se misturam e acabam só ajudando a atordoar ainda mais o pobre cidadão, que já tem de sobreviver ao barulho incessante de carros, buzinas e egípcios falando alto nas ruas.
A prefeitura da cidade teve, então, uma idéia "brilhante": unificar a chamada da oração. Apenas um muazenin teria a honrosa tarefa e sua voz seria transmitida ao mesmo tempo para todos os alto-falantes das mesquitas. Pois é, a idéia foi lançada há mais de nove meses e ainda não deu à luz. Os muazenin reclamam que perderiam o emprego. Os moradores argumentam que a chamada de oração ficaria muito impessoal, já que todos se acostumaram com o muazenin do lado da casa deles. Eu concordo. Pode ser uma zona, mas o que aqui no Cairo não é? Não quero que o meu muazenin perca o emprego. Ouvi-lo apenas esporadicamente já foi uma mudança traumática!

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